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Novo olhar sobre a “compensação cruzada” de créditos judiciais
No presente artigo pretendemos demonstrar que inexiste vedação legal à "compensação cruzada" de créditos judiciais do contribuinte, levando-se em conta a data do trânsito em julgado da decisão judicial.
Novo olhar sobre a “compensação cruzada” de créditos judiciais
No presente artigo pretendemos demonstrar que inexiste vedação legal à "compensação cruzada" de créditos judiciais do contribuinte, levando-se em conta a data do trânsito em julgado da decisão judicial.
Muito já se escreveu e debateu em juízo sobre a chamada “compensação cruzada”, entre débitos de contribuições previdenciárias com tributos federais de outra natureza, hoje todos administrados pela mesma Receita Federal do Brasil, após a criação da chamada “Super-Receita”, que passou a administrar e arrecadar contribuições destinadas ao custeio de benefícios sociais e ao chamado Sistema S, por meio da 11.457/2007, antes sob a guarda e administração do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) , autarquia esta que passou a cuidar exclusivamente da concessão e administração de benefícios, não mais de sua arrecadação.
Com efeito, desde o início da unificação da arrecadação e da administração de tributos federais, pela Receita Federal do Brasil, os contribuintes sustentam a falta de proporcionalidade na vedação à possibilidade de compensação e do encontro de contas entre débitos e créditos administrados pelo mesmo órgão, principalmente quando se verifica que a compensação era vedada para os contribuintes, mas se mostrava possível para a Receita Federal, quando realizava a chamada “compensação de ofício”.
As discussões sempre objetivaram então que fosse permitida a compensação ampla entre tributos federais de natureza distinta com os encargos tributários que oneram as folhas de pagamentos, um dos maiores entraves para a geração de empregos formais no país, dados os altos custos de contratação e demissão de funcionários com registro em carteira de trabalho no Brasil, que fica, assim, refém da chamada “Pejotização”
Essa discussão chegou a ser pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em desfavor dos contribuintes[1], ao argumento principal de que a lei, em sentido estrito, editada pelo Poder Legislativo, pode estabelecer condições e garantias ao direito de compensação tributária, nos termos da dicção do artigo 170 do Código Tributário Nacional, existindo, outrossim, à época, vedação expressa a esse tipo de compensação, no art. 26, parágrafo único, da Lei 11.457/2007 (Lei da Super-Receita), que determinava a não aplicabilidade às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de substituição, do disposto no artigo 74, da Lei nº 9.430/96[2].
Todavia, o artigo 26, parágrafo único, da Lei nº 11.457/2007 foi revogado pelo artigo 8º da Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018, tendo seu caput, ainda, alterado para aumentar o prazo anterior de repasse aos Cofres da Previdência dos valores compensados (antes 2 dias, passou para 30 dias):
“Art. 8º A Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007 , passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2º desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no prazo máximo de 30 (trinta) dias úteis, contado da data em que ela for promovida de ofício ou em que for apresentada a declaração de compensação.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
Eis a redação original do dispositivo alterado e daquele revogado:
“Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2o desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo requerimento.
Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2o desta Lei.”
O Art. 8º da Lei nº 13.670/ 2018 também incluiu na Lei 11.457/2007, o artigo 26-A, com a seguinte redação:
“Art. 26-A. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 :
I - aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelo sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) , para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo;
II - não se aplica à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelos demais sujeitos passivos; e
III - não se aplica ao regime unificado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico (Simples Doméstico).
- 1º Não poderão ser objeto da compensação de que trata o inciso I do caput deste artigo:
I - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei:
- a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e
- b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e
II - o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil:
- a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente às contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e
- b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.
- 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo.”
As Instruções Normativa editadas após essa nova modalidade de compensação, mais ampla, repetiram exatamente o disposto na norma legal, sendo de se salientar que a regulamentação da compensação tributária, na atual IN nº 2055, de 06 de dezembro de 2021 (assim como a IN anterior, 1.717/2017), disciplina as compensações de créditos objeto de decisão judicial em capítulo distinto e autônomo, qual seja, o “CAPÍTULO VI
DA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS DECORRENTES DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO”, onde dedica tratamento específico para tal modalidade de crédito, inclusive com a exigência de habilitação administrativa prévia, para verificação da efetiva existência de autorização, com trânsito em julgado, concedida pelo Poder Judiciário.
A própria Receita Federal, assim, em atendimento ao disposto no artigo 170-A, do Código Tributário Nacional[3], repetida no caput, do artigo 74, da Lei nº 9.430/96[4] – que expressamente já diferenciam o indébito de origem judicial daquele sem essa característica, inclusive classificando o primeiro como inexistente antes do trânsito em julgado da decisão judicial correspondente – reconhece, de forma clara, nas suas Instruções Normativas regulamentadoras do direito de compensação, que existem duas modalidade de créditos fiscais dos contribuintes, com naturezas jurídicas distintas e, portanto, fatos geradores do direito de compensação e períodos de apuração distintos entre si, a depender da sua forma de constituição, judicial ou não.
De se salientar, ainda, que para os créditos de indébitos apurados autonomamente pelo contribuinte, é condição essencial para o exercício da compensação administrativa a prévia retificação de declarações (DCTF´s e EFD), quando, em relação aos créditos de natureza judicial, não existe essa condicionante legal, justamente porque o mesmo não decorre de um equívoco simplesmente do contribuinte ou do Fisco, e sim de uma norma individual e concreta nova, como ensina Paulo de Barros Carvalho[5], que substitui as declarações iniciais, corretamente transmitas ao tempo do recolhimento, emanada pelo Poder Judiciário e considerada exequível somente após o trânsito em julgado.
Nesse sentido, vale mencionar o próprio guia de “Perguntas e Respostas da Receita Federal”, relativo à Escrituração Fiscal Digital (EFD – SPED) , onde se esclarece que as compensações de crédito de origem judicial somente devem ser informadas em DCTFs e DCOMPs e não na ECF Fiscal[6].
Pois bem, após a edição do Art. 8º da Lei nº 13.670/2018, que deu nova redação à Lei nº 11.457/2007, como acima visto, as compensações denominadas de “cruzadas”, até então proibidas, passaram a ser autorizadas, em razão da exclusão do fundamento legal de sua vedação (Parágrafo único, do artigo 26 e inclusão do artigo 26-A a essa última norma), passaram a ser expressamente autorizadas, e isso dentro de um contexto normativo maior.
Realmente, a Lei que introduziu essa possibilidade, a Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018, teve como objetivo principal a chamada “reoneração da folha de pagamento”, com a retirada de diversos setores da economia da “desoneração” antes existente – por meio da substituição da contribuição ao INSS-parte empresa pela Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB).
Assim, justamente por conta dessa reoneração de custos tributários sobre a folha de salários, e já que a Receita Federal acabara, inclusive, de criar, à época, sistema/plataforma que passou a permitir a integração e administração plena e automática de todos os tributos incidentes sobre tal base (o eSOCIAL, por ela desenvolvido e implementado) – que veio justamente para substituir a plataforma GFIP, sem essa funcionalidade e criada há tempos pelos técnicos da DATAPREV, na época em que o INSS que cuidava da arrecadação – inseriu-se, por meio também do artigo 8º da Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018, a norma em foco neste estudo, o artigo 26-A da Lei 11.457/2007 (mediante a simples remição ao artigo 74 da Lei nº 9.430/96 e não a sua alteração ou mesmo integração). E isso justamente como forma de alívio ao caixa das empresas reoneradas e de todas as demais, de forma que todas pudessem administrar melhor a sua carga tributária sobre a folha de pagamentos, com a permissão da tão esperada e reclamada há tempos pelos contribuintes “compensação cruzada.
Isso se infere, da própria exposição de motivos da Lei nº 13.670/2018, anexa ao Projeto de Lei encaminhado para sanção presidencial, o PL nº 8456/2017, onde a permissão de compensação integral (“cruzada”) aparece logo após a justificativa para a “reoneração da folha” e de medidas de adequação “de tal dispositivo à atual sistemática de apresentação eletrônica de escrituração contábil e fiscal mediante o Sistema Público de Escrituração Digital -SPED”, sendo salientado, ainda, nos itens 11 e 12 da Exposição de Motivos, que essa “nova modalidade de compensação entre contribuições previdenciárias e demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma aqui proposta, se justificava por serem todos créditos e débitos sob a mesma administração tributária, por atender aos interesses dos contribuintes, ao mesmo tempo que preservava a arrecadação das receitas tributárias”[7].
Note-se que, após essa exposição, a nota do Ministro da Fazenda ao Presidente da República não faz qualquer alusão a créditos tributários de origem judicial, nem espelha qualquer preocupação com a perda de arrecadação em espécie, proveniente da utilização de créditos de outra natureza, para a compensação de contribuições destinadas ao pagamento de benefícios previdenciários.
Ao contrário, a exposição expressamente reconhece o interesse público do permissivo de compensação ampla “por atender aos interesses dos contribuintes ao tempo que preserva a arrecadação das receitas tributárias...”
Percebe-se, assim, que as regras trazidas pelo artigo 8º da Lei nº 13.670/2018, ao alterarem a redação da Lei nº 11.457, com a alteração do artigo 26 dessa norma, revogando, ainda, o seu parágrafo único e criando o artigo 26-A, dentro do contexto maior da reoneração da folha, vieram não criar limitações ao direito de compensar e sim o oposto, ampliá-lo, para possibilitar a compensação ampla/integrada de tributos, justiçando-se tal medida “por serem todos créditos e débitos sob a mesma administração tributária”, conforme relatou o então Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, na mencionada exposição de motivos.
Só que em se tratando de nova regra, fundada em sistema de informática novo (eSOCIAL) , houve a necessidade de se criar também uma regra de transição, no mesmo artigo 26-A, que previsse a convivência, ainda por um intervalo de tempo, de créditos e débitos do sistema antigo (GFIP) e do sistema novo (Receita Geral e eSOCIAL) de arrecadação e administração de tributos destinados a custear benefícios sociais.
Assim, o mesmo artigo 8º da Lei nº 13.670/ 2018, por meio da inserção do artigo 26-A estabeleceu, a par de declarar a aplicabilidade das regras do artigo 74, da Lei 9.430/96, algumas limitações à compensação entre créditos e débitos perante a Super-Receita, consistentes em verdadeiras regras de transição, onde a operacionalização automática, pelo próprio contribuinte (sem nenhuma intervenção prévia da Administração ou do Poder Judiciário), do encontro de contas entre dois sistemas de arrecadação (Antigo: GFPIP e Novo: eSOCIAL) não era possível ou implicaria em dificuldade técnica demasiada, já que a integração informática automática entre tributos sobre a folha e os demais tributos administrados pela Receita Federal só passou a ocorrer de forma plena a partir do eSOCIAL, do SERPRO, não ocorrendo ainda no sistema desenvolvido pela DATAPREV, a GFIP/GPS.
Com efeito, no mencionado artigo 26-A, essas verdadeiras regras de transição, decorrentes da convivência por algum tempo mais de dois sistemas de informática de arrecadação distintos (GFIP e eSOCIAL) , vedam a chamada “compensação cruzada” entre débitos e créditos apurados por sujeitos passivos ainda não inseridos no eSocial (inciso I) – justamente porque, para os mesmos, não é possível efetuar o encontro de contas automático pelo sistema –; e também de débitos apurados no SIMPLES (inciso II) – também objeto de outro sistema de apuração, com regras e repasses próprios, com a mesma dificuldade técnica/informática.
Já no parágrafo 1º do mesmo artigo 26-A, mais uma regra de transição de sistemas, onde se estabeleceu, pelo mesmo motivo, de dificuldade de integração informatizada que “Não poderão ser objeto da compensação”:
Inciso I: de débito de contribuições à seguridade:
“a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial”; e
“b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições”; e,
Inciso II: no mesmo sentido que o inciso I, só que no que se refere a débitos dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, de períodos anteriores à utilização do eSocial, ou mesmo posteriores, com créditos previdenciários apurados em período de apuração anterior.
Vê-se, assim, que a norma em questão, repita-se, sem qualquer alusão a créditos oriundos de decisão judicial transitada em julgado (após o extenso acompanhamento e controle da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, por anos, e da própria Receita Federal, por meio de seus processos administrativos de monitoramento de processos judiciais – setor de acompanhamento de medidas judiciais – para fins de emissão de CNDs – e depois ainda por meio do processo administrativo de homologação administrativa prévia do crédito compensável), fazendo remição ao artigo 74, da Lei nº 9.430/96 – mas sem alterar a sua redação nesse ponto e sem incorporar tais alterações ao seu texto (em especial na parte em que lista quais compensações são proibidas e até consideradas não realizadas, com a aplicação de altas penalidades) – especifica, unicamente, duas circunstâncias onde a compensação cruzada seria inviável de ser realizada automaticamente pelo sistema, por conta tão só da falta de integração de sistemas de arrecadação (anterior GFIP e atual eSocial) , vedando-as, assim, somente para essas situações específicas, de débitos e créditos decorrentes de pagamentos indevidos ou pagos a maior, por conta dessa circunstância, de iniciativa do próprio contribuinte, nada mais.
E faz isso utilizando dois critérios temporais, sendo o primeiro o do momento em que o contribuinte passou a utilizar eSOCIAL, e, em segundo lugar, a locução “período de apuração”, para designar o momento em que de fato nasceu o direito de crédito fiscal/indébito ou o débito cujas compensações cruzadas seriam obstadas pela dificuldade técnica mencionada.
É sobre essa locação “período de apuração” do crédito resultante do indébito tributário, em especial daquele fruto de decisão judicial transitada em julgado, que reside a grande discussão atual em torno da chamada “compensação cruzada” (que desde a edição do artigo 8º da Lei nº 13.670/2018, e da mencionada exposição de motivos, nem pode mais ser assim designada, o que manteremos no texto somente para fins didáticos).
Com efeito, para essa categoria de créditos/indébitos, dado o momento de seu surgimento, qual seja, a data do trânsito em julgado da decisão judicial, nos termos do artigo 170-A do CTN, o “período de apuração” não pode ser considerado como sendo a data do recolhimento do tributo, como ocorre no caso de um recolhimento efetuado por erro de apuração ou do Fisco, e sim a data em que o crédito passou a existir, como líquido e certo, frente à União Federal em cada caso concreto.
A locução “período de apuração” utilizada pela lei terá então duplo significado: a) para os créditos sem intervenção judicial: data do pagamento indevido; e b) para créditos judiciais: a data do trânsito em julgado. Isso porque, conforme preceitua o CTN e a própria Lei nº 9.430/96, antes vistas, o recolhimento na data de vencimento do tributo, até a declaração judicial com essa característica, por força de lei, simplesmente não existirá. Por isso mesmo, quando esse crédito passa a existir no mundo jurídico e a ser oponível ao Fisco, não é exigível do contribuinte a retificação de declarações passadas, transmitidas corretamente à época, mas sim a habilitação administrativa da decisão judicial, para o controle da Administração quanto à conformidade do crédito pleiteado ou declarado com o comando do Poder Judiciário.
Ocorre que a Receita Federal, por meio de Soluções de Consulta e de concretos impedimentos sistêmicos de informática, no sistema PER/DCOMP, para a transmissão de declarações de “compensação cruzada” de créditos judiciais com débitos de contribuições previdenciárias e de terceiros, ao pretexto de interpretar a norma que inegavelmente veio ampliar o direito de compensação (como antes visto), criou verdadeira restrição, sem base legal e mesmo regulamentar (como igualmente acima demonstrado), ao argumento de que a regra do novo artigo 26-A, ao se referir ao “período de apuração” do crédito compensável teria, para todos os tipos de crédito (inclusive os decorrentes de sentença judicial transitada em julgado, que mereceu, pelo legislador complementar e ordinário e também pelas IN´s, normatização autônoma e distinta) se referido à data do recolhimento indevido e não à data do trânsito em julgado da decisão judicial que o reconheceu:
Eis as Soluções de Consulta que criaram um entrave ao direito de compensação concedido legalmente, sem qualquer base normativa, por conta da mera interpretação restritiva e voltada a um interesse que sequer se coaduna com o interesse da arrecadação, já que a mesma não é afetada e sim favorecida pela quitação representada pelo artigo 156, II, do CTN[8], sendo os recursos oriundos da compensação devem ser repassados pela Receita Federal aos cofres do Fundo Geral da Previdência Social, no prazo de 30 dias a contar de cada declaração de compensação transmita pelo contribuinte, com previsão do artigo 26 da Lei 11.457, na redação dada pelo artigo 8º da Lei nº 13.670/2018 [9]:
Solução de Consulta nº 336 - Cosit Data 28 de dezembro de 2018
“ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL. CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS. DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. COMPENSAÇÃO. SISTEMA DE ESCRITURAÇÃO DIGITAL DAS OBRIGAÇÕES FISCAIS, PREVIDENCIÁRIAS E TRABALHISTAS (eSocial) Somente é possível a compensação entre débitos e créditos de tributos previdenciários e não previdenciários, reciprocamente, se ambos tiverem período de apuração posterior à utilização do eSocial. ”
E mais recentemente, a Solução de Consulta nº 50 - Cosit , de 25 de março de 2021 ostensivamente desconsidera e desprestigia a Lei individual e concreta emanada pelo Poder Judiciário na sentença judicial transitada em julgado, ao afirmar serem “irrelevantes a data do trânsito em julgado e a data da habilitação administrativa do crédito, “verbis”:
“ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. DÉBITO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE PERÍODO DE APURAÇÃO POSTERIOR À UTILIZAÇÃO DO eSOCIAL. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO QUE RECONHECE CRÉDITO REFERENTE A PERÍODO DE APURAÇÃO ANTERIOR À UTILIZAÇÃO DO eSOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. Incabível a compensação de débito de contribuições previdenciárias de período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil reconhecido em decisão judicial transitada em julgado, relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial, sendo irrelevantes a data do trânsito em julgado e a data da habilitação administrativa do crédito. Dispositivos Legais: art. 26-A da Lei nº 11.457, de 2007.”
Tais respostas, assim, em manifesta inovação regulatória, acabam ignorando não só o texto da lei e da própria IN regulamentadora, mas também e principalmente o contexto normativo em que surgiu referido permissivo de compensação (de aumento das possibilidades de compensação, como alívio da reoneração da folha, e não de vedação legal), e o regramento complementar e ordinário da matéria, nos artigos 170-A do CTN e artigo 74, da Lei nº 9.430/96, distorcendo, assim, a seu exclusivo critério de conveniência (nem mesmo de arrecadação, pois os valores da compensação seriam utilizados para a extinção de créditos previdenciários pertencentes ao FGPS, em 30 dias da compensação, nos termos do artigo 156, II, do CTN) e contrariamente ao próprio artigo 26-A referido, cuja aplicabilidade das regras de transição mencionadas são nitidamente restritas aos créditos apurados pelo próprio contribuinte, dentro do sistema anterior de arrecadação (GFIP/GPS), pois estes, e somente estes, não contaram com a intervenção do Poder Judiciário, nem com o acompanhamento, desde o início da discussão judicial, pela própria Fazenda.
Nessas respostas a Receita Federal também é contraditória com aquilo que o próprio órgão já analisou e proferiu entendimento, em relação aos mesmos créditos oriundos de decisões judiciais, quando especificou que o seu “período de apuração” é aquele em que nasce o direito de compensação, representado pela data do trânsito em julgado, tendo sido realizada defesa ferrenha dessa data como período de apuração do crédito, consentâneo ao seu próprio nascimento, para fins de seu reconhecimento contábil, como resultado tributável.
Essas Consultas já datam de longa data, representando, assim, normas complementares à legislação tributária, nos termos do artigo 100 do CTN[10], não podendo, portanto, as autoridades administrativas alegarem a inexistência de arcabouço normativo para a correta interpretação do termo “período de apuração” de forma diferenciada para os créditos/indébitos compensáveis pelo contribuinte, com natureza judicial.
Todas elas utilizam como fundamento o Ato Declaratório Interpretativo nº 25, de 24/12/2003, que especifica, sem sombra de dúvidas, qual o efetivo fato gerador do direito de crédito/indébito judicial, em seu artigo 5º, “verbis”:
“Art. 5º Pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído.
- 1º No caso de a sentença condenatória não definir o valor a ser restituído, o indébito passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL:
I - na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (art. 741, inciso V, do CPC); ou
II - na data da expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução.”
E tal ADI foi originado da Solução de Divergência COSIT nº 19, de 12 de novembro de 2003, que aborda a questão exatamente sob o aspecto temporal dos créditos reconhecidos judicialmente, da seguinte forma:
“Do aspecto temporal das hipóteses de incidência
(...)
- O art. 43 do Código Tributário Nacional dispõe que o fato gerador do imposto sobre a renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, do que se entende que disponibilidade econômica significa rendimento financeiramente realizado e disponibilidade jurídica corresponde a rendimento adquirido, ou seja, em que o contribuinte tem o título jurídico que lhe permite obter a realização em dinheiro tão logo o crédito se torne exigível (pelo vencimento do título).
(...)
- Destarte, sendo a sentença condenatória um título líquido, certo e exigível de um direito, é no seu trânsito em julgado – quando adquire o status de coisa julgada material - que ocorre a aquisição de disponibilidade jurídica de renda do credor, pois o indébito definido na sentença representa o ingresso de um direito líquido e certo no patrimônio do contribuinte, mesmo que ainda não realizado financeiramente. 26. Por essa razão é que a legislação tributária autoriza, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a compensação do indébito com tributos devidos pelo contribuinte, o que só ocorre, efetivamente, por ser o valor restituível (definido na sentença) um direito exigível, certo e líquido do contribuinte. Nesse sentido, vejamos como dispõe o art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, com a redação que lhe foi dada pelo art. 49 da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, in verbis” (grifamos)
E mais recentemente, após o julgamento final da chamada “Tese do Século”, no Supremo Tribunal Federal, a Receita Federal ainda ratificou o entendimento acima acerca do aspecto temporal dos créditos/indébitos compensáveis com esteio em sentença judicial, na Solução de Consulta nº 92, publicada em 24.06.202, deixando ainda mais claro o efetivo “período de apuração” de tais créditos, contemporaneamente ao trânsito em julgado, e não antes, como agora pretende a mesma Receita Federal quando pretende criar um obstáculo ilegal à compensação ampla com tributos sob a sua administração: Vejamos o teor dessa última Solução da Consulta:
“Os créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado relativos a tributos pagos indevidamente devem ser reconhecidos na determinação do lucro real no período de apuração em que ocorrer a sua disponibilidade jurídica.
Dispositivos Legais: (...) Ato Declaratório Interpretativo (ADI) SRF nº 25, de 2003, arts. 1º e 5º.” (grifamos)
Do inteiro teor de sua resposta, é importante destacar o seguinte trecho:
16.7. Conforme esclarece o Parecer Normativo CST nº 58, de 1º de setembro de 1977 (publicado no DOU de 12.09.1977), o “regime de competência costuma ser definido, em linhas gerais, como aquele em que as receitas ou despesas são computadas em função do momento em que nasce o direito ao rendimento ou a obrigação de pagar a despesa” (destacou-se).
16.8. Em consonância com essas disposições, a Solução de Divergência Cosit nº 19, de 2003 (item 24), que deu origem ao ADI SRF nº 25, de 2003, respaldada no art. 43 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN), dispõe que, “para os contribuintes sujeitos ao reconhecimento das receitas pelo regime de competência, basta, tão-somente, a disponibilidade jurídica do rendimento, para fins de incidência tributária” (grifou-se).
16.9. Ora, tendo em conta o acima exposto, o texto do caput e do § 1º do art. 5º do ADI SRF nº 25, de 2003, vem revelar de imediato que o procedimento a que se refere a consulente não é admitido pela Administração Tributária, porquanto, em se tratando de pessoa jurídica sujeita à apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (lucro real e resultado ajustado) segundo o regime de competência, o indébito tributário deve ser considerado como receita tributável na determinação do lucro líquido relativo ao período de apuração do IRPJ e da CSLL em que nasce o direito a essa receita, ou seja, no período de apuração em que ocorrer a sua disponibilidade jurídica – e, se a receita é tributável, por evidente, ela não pode ser excluída do lucro líquido para efeito de apuração do lucro real e do resultado ajustado. Solução de Consulta n.º 92 Cosit Fls. 8 8 16.10. Essa orientação, como não poderia deixar de ser, segue o disposto no § 1º do art. 186 da Lei nº 6.404, de 1976, segundo o qual serão considerados como ajustes de exercícios anteriores na demonstração de lucros ou prejuízos acumulados “apenas os decorrentes de efeitos da mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a determinado exercício anterior, e que não possam ser atribuídos a fatos subsequentes” (grifou-se). Conclusão 17. Ante o exposto, apresentam-se a conclusões que se seguem. 17.1. Os créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado relativos a tributos pagos indevidamente devem ser reconhecidos na determinação do lucro real e do resultado ajustado no período de apuração em que ocorrer a sua disponibilidade jurídica. (destaques nossos e do original)
Conclui-se, assim, com esteio nas normas supra referidas, que, quando o artigo 26-A da Lei nº 11.457, trazido pelo artigo 8º da Lei nº 13.670/2018, se refere a créditos fiscais não compensáveis dentro da popularmente chamada “compensação cruzada”, se utilizando do termo “período de apuração” anterior à utilização do eSOCIAL, a norma está se referindo ao momento em que nasceu o direito de crédito, sendo certo que, no que atine a créditos decorrentes de sentença judicial, antes do seu trânsito em julgado, não existe indébito ou crédito. Somente existe o direito de crédito, constituindo o seu momento de nascimento e, portanto, o seu período de apuração, a partir do trânsito em julgado.
Não se pode, assim, atribuir à locução “período de apuração”, no que se refere a créditos judiciais, a mesma data de vencimento dos tributos recolhidos e devidos até que norma nova, individual e concreta, derivada do Poder Judiciário, tenha reconhecido o mesmo, sendo este o momento de nascimento e o período de apuração do crédito, conforme reconhece a própria Receita Federal, que quer agora usar dois pesos e duas medidas (um para tributar e outro para autorizar a compensação determinada pela Lei), em situações idênticas.
Em outro giro verbal, acrescente-se, ainda, sobre este mesmo tema, limitações indevidas e sem fundamento legal ao direito de compensar, que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou em sede de recursos repetitivos que a legislação de regência da compensação tributária "é a vigente à data do encontro de contas entre os recíprocos débito e crédito da Fazenda e do contribuinte" (1ª S., REsp 1.164.452/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 25.08.2010, DJe 02.09.2010).
Sendo assim, na aplicação da norma legal devem ser observado todo o regramento jurídico existente em relação a todos os aspectos da compensação, atinente aos créditos e débitos compensáveis, não se podendo olvidar, na interpretação da norma do artigo 26-A, aqui em análise, também a lei individual e concreta emanada da sentença judicial, e o regramento legal do artigo 170-A do CTN e do artigo 74, da Lei nº 9.430/96, que expressamente especificam que o crédito compensável com natureza judicial nasce, existe, passa a gerar efeitos no mundo concreto, ou seja, tem o seu período de apuração, somente no trânsito em julgado da sentença emanada pelo Poder Judiciário. Negar isso, implicaria não só em erro hermenêutico sistemático como em sério desprestígio da força vinculante e cogente das ordens judiciais, além da atribuição de natureza jurídica e aspecto temporal diversos dos fixados pela norma emanada da sentença judicial.
Sobre o tema, aliás, o Supremo Tribunal Federal recentemente, no julgamento do Recurso Extraordinário 1063187, com repercussão geral reconhecida (Tema 962), afastou a cobrança do IRPJ e da CSLL sobre a SELIC incidente sobre os créditos tributários oriundos de decisões judiciais transitadas em julgado, por justamente considerar que essa atualização e aplicação de juros (contemplados em conjunto pelo mencionado índice) representam, em verdade, pura recomposição do patrimônio do contribuinte, ou seja, indenização, sem caráter de rendimento. E a indenização nasce não no momento do dano reparado, mas sim quando da decisão judicial transitada em julgado.
Por outro lado, é importante mencionar que o Superior Tribunal de Justiça de há muito vem afastando limitações ilegais e incoerentes ao direito de compensação, estabelecidas por atos infralegais da Receita Federal, em situações análogas à aqui examinada, “verbis”:[11][12]
Do REsp n. 1.628.374/SP, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, é importante destacarmos os seguintes trechos, que caem como uma luva à questão aqui examinada:
“Esta 1ª Turma, por sua vez, já assentou que '"o fato gerador do direito à compensação não se confunde com o fato gerador dos tributos compensáveis. O fato gerador do direito de compensar é a existência dos dois elementos compensáveis (um débito e um crédito) e o respectivo encontro de contas. Sendo assim, o regime jurídico aplicável à compensação é o vigente à data em que é promovido o encontro entre débito e crédito, vale dizer, à data em que a operação de compensação é efetivada. Observado tal regime, é irrelevante que um dos elementos compensáveis (o crédito do contribuinte perante o Fisco) seja de data anterior' (REsp 742.768/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ 20/2/06)" (1ª T., AgRg no REsp 1.160.954/MT, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.05.2012, DJe 18.05.2012 - destaquei).
(...)
No que tange à IN SRF n. 139/1989, anote-se que a disciplina da obrigação tributária, inclusive sua extinção, modalidade na qual se insere a compensação, há de ser sempre veiculada por lei, com vista à proteção ao patrimônio público representado pelo crédito tributário. O tema de extinção da obrigação tributária, portanto, deve ser analisado, sempre, dentro da moldura dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Consequentemente, a lei é o único veículo normativo capaz de criar e estabelecer a configuração do direito à compensação tributária, vale dizer, de fixar os requisitos materiais e formais à sua fruição, e somente por intermédio dela é que se poderá impor limitações ao seu exercício, em observância à legalidade prevista no art. 5º, II, da Constituição da República.
(...)
Noutro vértice, não se pode olvidar que os atos regulamentares devem observar não apenas o ato normativo do qual extraem validade imediata, mas também devem guardar conformidade com o arcabouço legal sobrejacente. Logo, a IN SRF n. 139/1989, embora editada para regulamentar a Lei n. 7.713/1988, criou, no que concerne à compensação entre exercícios diversos, limitação conflitante com diploma legal distinto, porém válido e eficaz, é dizer, o Decreto-lei n. 1.790/1980, invadindo o plano exclusivo da lei.
(...)
A frustração do direito de compensar valores apurados em calendários diferentes, previamente retidos em atendimento à legislação de regência (tempus regit actum), além de constituir clara ofensa à confiança legítima nos atos estatais e ao consequente impedimento da prática de atos estatais contraditórios, expressões do sobreprincípio da segurança jurídica, impõe à contribuinte gravame patrimonial de contornos confiscatórios.” (destaques =
Pois bem. Não fosse isso o bastante, para evidenciar a contradição da própria Receita Federal, ao tratar do “período de apuração” do crédito de uma forma, há mais de 19 anos, para tributar o indébito, e agora tentar distorcer esse mesmo conceito, para limitar a sua utilização na compensação ampla criada pelo artigo 26-A, vale ainda referir que a regra do artigo 8º da Lei 13.670/2018, que criou tal possibilidade, efetivamente tanto não se refere a limitações ou vedações ao direito de compensação (excetuadas as hipóteses antes examinadas, que se cuidam de regras de transição e não limitações desejadas pelo legislador), que a mesma Lei, em outro dispositivo, o artigo 6º, e somente aí, é que de fato alterou o artigo 74 da Lei nº 9.430/96, para estabelecer efetivas restrições ao direito de compensação, inclusive com a consideração de sua não compensação e aplicação de penalidades em caso de desrespeito dessa limitação.
Só que nenhuma dessas efetivas restrições (sem qualquer relação com a regra de transição do artigo 8º, antes analisadas), se referem às contribuições destinadas ao INSS e administradas pela Receita.
De fato, são essas as efetivas restrições/vedações à compensação, constantes do artigo 6º da Lei nº 13.670/2018, diversas completamente das regras de transição do artigo 8º antes visto, essas sim por escolha expressa do legislador:
“Art. 6º A Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 , passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 74. ........................................................................
- 3º ................................................................................
V - o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa;
VI - o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa;
VII - o crédito objeto de pedido de restituição ou ressarcimento e o crédito informado em declaração de compensação cuja confirmação de liquidez e certeza esteja sob procedimento fiscal;
VIII - os valores de quotas de salário-família e salário-maternidade; e
IX - os débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) apurados na forma do art. 2º desta Lei.”
Sobre as efetivas limitações ao direito de compensar, do artigo 6º e não do 8º (e somente em relação a essas), a exposição de motivos do 8456/2017, resultante na Lei nº 13.670/2018, foi generosa em suas justificativas à criação dessas efetivas limitações ao direito de compensação, referindo-se, somente nesse ponto, que o projeto propunha a alteração do “§ 3ºdo art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, para incluir “vedações à compensação”[13]
Enquanto isso, em relação à regra de transição do artigo 8º, resultantes no artigo 26-A, aqui analisado, a exposição de motivos não dispendeu nem mesmo uma linha sequer.
E isto porque o próprio PL nº 8456/2017, resultante na Lei nº 13.670/2018, classifica como vedações à compensação unicamente as matérias tratadas no artigo 6º da Lei, explicadas à exaustão e com detalhes pela sua exposição de motivos, e não aquelas verdadeiras regras de transição, constantes do artigo 8º (artigo 26-A da 11.457/2007), inserido em contexto de alívio da “reoneração” objetivada pela norma e com sentido restrito às hipóteses de créditos originados por pagamentos indevidos ou a maior sem natureza judicial, cujo período de apuração, ou seja, o seu surgimento, pressupõe crédito líquido, certo e exigível, o que, por força do artigo 170-A, do CTN, somente surge após o trânsito em julgado da sentença judicial.
De tudo quanto acima exposto, conclui-se, portanto, que a Lei nº 13.670/2018, dentro de um contexto maior, o de reoneração da folha de pagamentos, com a extinção da CPRB para diversos setores da economia e com a volta da tributação sobre a folha para os mesmos, veio, em seu artigo 8º, revogar o parágrafo único do artigo 26 da 11.457/2007, e atribuir também nova redação ao seu caput, para estabelecer não uma vedação à compensação, mas sim uma ampliação do direito de compensação, justamente como forma de alívio para a reoneração de sua força de trabalho (e que se estende a todos os demais contribuintes, mesmo não abarcados anteriormente pela chamada desoneração), e com o estabelecimento de certas condições procedimentais (regras de transição), decorrentes, unicamente, da incompatibilidade e de falta de integração automática entre sistemas de arrecadação (GFIP e eSOCIAL) , e aplicáveis somente a indébitos que não dependam para a sua existência de qualquer intervenção prévia da Administração ou do Poder Judiciário.
Interpretação diversa, além de contrariar a letra e o espírito da norma que veio alargar o direito de compensação – e não o limitar além das hipóteses restritas que especifica (consistentes em regras de transição) – e de se mostrar incompatível e incoerente com todo o sistema normativo que regula as compensações, visto anteriormente, além da interpretação da própria Receita Federal, ao tratar dos “períodos de apuração” de créditos judiciais, como igualmente visto acima, redundaria na criação, pelo intérprete (ou pela lei, caso essa interpretação for tida como correta), de uma nova espécie de crédito tributário decorrente de indébito tributário, cujo nascimento ocorreria por norma individual e concreta oriunda de processo judicial, mas com data, ou “período de apuração” contemporâneo ao pagamento.
E isso sem a imprescindível Lei Complementar para tanto, para regular/limitar a extinção do crédito tributário dessa forma, em afronta ao disposto no artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Magna Carta, além do malferimento dos comandos dos artigos 108, incisos II, III e IV, do Código Tributário Nacional, que orientam a interpretação da legislação tributária sempre mediante a interpretação sistemática de todo o sistema normativo, e com o uso dos princípios gerais de direito tributário e público, com equidade, e o artigo 112 do mesmo codex, além do próprio artigo 156, inciso II c/c inciso X, e principalmente art. 170-A, todos também do CTN[14], que estabelecem ser a compensação e a decisão passada em julgado meios de extinção do crédito tributário, sendo certo, ainda, que a compensação de créditos, líquidos e certos, com esteio em título judicial, não representam a dispensa de pagamento de tributo e sim meio de sua extinção, com o atendimento ao interesse público inclusive, e não o oposto.
Ademais, ao se atribuir qualificação ao crédito decorrente de indébito tributário declarado por decisão judicial transitada em julgado diversa daquela correspondente à efetiva disponibilidade jurídica e econômica de tal crédito, está se atingido em cheio o princípio da capacidade contributiva, inserto no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição da República e o artigo 43 e seu parágrafo 2º do CTN, além do disposto no Art. 46 da Lei nº 8.541/92, quando trata da tributação do crédito judicial somente quando “o rendimento se torne disponível para o beneficiário”, e do art. 187 da Lei nº 6.404/76, quando trata do princípio da competência[15].
São assim manifestamente ilegais e inconstitucionais (além de contraditórias com a regulação da mesma matéria pela própria Receita), as Soluções de Consulta da Receita Federal que limitam indevidamente essas compensações ditas “cruzadas” de créditos judiciais, merecendo tais vícios serem afastados pelo Poder Judiciário, para autorizar as compensações de débitos destinados à Seguridade e entidades terceiras com quaisquer tributos cujo direito de compensação nasceu de decisão transitada em julgado. E isso tudo no atendimento do próprio interesse público, veiculado pela própria Lei, de, ao mesmo tempo, assegurar à Previdência o recebimento de sua fonte de custeio (repassada 30 dias após cada compensação – art. 26), e garantir a manutenção de milhões de empregos, por meio da possibilidade de empregadores do pais todo aproveitarem seus créditos junto à União Federal, já líquidos e certos e exigíveis, fruto de ações com transito em julgado, para a quitação de seus compromissos, em vez de se submeterem ao eterno solve et repete, agravado atualmente pela situação de inadimplência de precatórios da União Federal, que assim não acumulará mais dívidas com as quais tenha de lidar no futuro.
[1] "impossível a compensação de créditos tributários administrados pela antiga Secretaria da Receita Federal com débitos de natureza previdenciária antes administrados pelo INSS (contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei 8.212/1991), ante a vedação legal estabelecida pelo art. 26 da Lei 11.457/2007 (AgRg no REsp. 1.426.432/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 7.4.2014)" (STJ, REsp 1.657.426/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/05/2017).
[2] Art. 26. (...)
Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2o desta Lei.
[3] Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. (Artigo incluído pela LC nº 104, de 2001)
[4] Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.(Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)
[5] CARVALHO, P. B. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 83
[6] Perguntas e Respostas EFD Contribuições – SPED – Receita Federal do Brasil – Consulta em 12/08/2022: 86)A empresa ganhou um processo judicial referente ao PIS e COFINS. Está utilizando o valor ganho para pagar os débitos apurados atualmente. Essa operação deve ser informada no EFD PIS e COFINS? De que forma? NA EFD-CONTRIBUIÇÕES devem ser informados apenas processos judiciais que tenham impacto na apuração da contribuição/crédito, ou seja, na formação da base de cálculo, alíquota aplicável e ou CST. A informação de pagamento, compensação de indébito tributário com tributos a pagar são demonstradas na DCTF e em outras declarações, como é o caso das Declarações de Compensação (Dcomps)
[7] “11. Ainda, a proposta altera a Lei nº11.457, de 16 de março de 2007, para afastar a vedação à compensação das contribuições previdenciárias de que tratam seus arts. 2ºe 3ºna forma do art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, quando efetuada pelo sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) e, em decorrência disso, altera também o art. 89 da Lei nº8.212, de 24 de julho de 1991, o art. 18 da Lei nº10.833, de 19 de dezembro de 2003.
12.Essa nova modalidade de compensação entre contribuições previdenciárias e demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, na forma aqui proposta, justifica-se por serem todos créditos e débitos sob a mesma administração tributária, por atender aos interesses dos contribuintes ao tempo que preserva a arrecadação das receitas tributárias que não pode sofrer grandes alterações a curto prazo, de modo que o país não tenha seu quadro econômico-financeiro indevidamente afetado.” (grifamos)
[8] Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
II - a compensação;
[9] “Art. 8º A Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007 , passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2º desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no prazo máximo de 30 (trinta) dias úteis, contado da data em que ela for promovida de ofício ou em que for apresentada a declaração de compensação.”
[10] Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
[11] REsp n. 1.628.374/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de 14/2/2020
[12] REsp n. 1.498.234/RS, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 24/2/2015, DJe de 6/3/2015
[13] “13.O projeto propõe alteração no § 3ºdo art. 74 da Lei nº9.430, de 27 de dezembro de 1996, para incluir vedações à compensação, de modo a impedir perda de arrecadação e pedidos com créditos que não são tributários, o que apenas onera a administração em sua análise:
13.1. Assim, a proposta veda o pedido de compensação ou ressarcimento de débitos referentes às estimativas que constituem mera antecipação do imposto devido na declaração de ajuste das pessoas jurídicas, a fim de agilizar a cobrança dos débitos e inibir a apresentação de compensações indevidas.
13.1.1. É importante ressaltar que a vedação para compensar estimativas não retira do sujeito passivo o direito ao crédito que possuir perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, já que esse direito pode ser requerido em restituição ou ressarcimento e, ainda, ser utilizado para compensar débitos de outros tributos.
13.1.2. Essa alteração é necessária e sua urgência decorre da queda na arrecadação para a qual as inúmeras compensações com estimativas contribuem. Isso porque grande parte dessas compensações são indevidas e até que sejam analisadas, e não homologadas pela administração tributária, evitam o pagamento das estimativas. Acrescente-se o fato de que a estimativa compensada é deduzida do imposto devido na apuração anual antes mesmo de se confirmar a existência do crédito com ela compensado. Com isso, recorrentemente, tais estimativas indevidamente compensadas geram falso saldo negativo do imposto que por sua vez também é indevidamente compensado com outros débitos, inclusive de outras estimativas, implicando o não pagamento sem fim do crédito tributário devido pelo contribuinte. Além disso, a compensação com estimativas desvirtua o objetivo para o qual elas foram criadas: manter o fluxo de caixa no Tesouro Nacional no decorrer do ano, evitando uma concentração de arrecadação no final do período, o que não é desejável para o Estado que precisa de recursos disponíveis para atingir suas funções nem para o contribuinte que seria onerado com o pagamento do imposto de uma vez só.
13.1.3. As declarações de compensação (DCOMP) de saldos negativos (documentos ativos) totalizam hoje R$ 309,1 bilhões em créditos, com 643 mil documentos com demonstrativo de crédito. Destes, 169 mil documentos têm algum valor demonstrado de estimativa compensada, e representam 160,5 bilhões em créditos de SN (52%). Para os créditos apurados nos anos de 2014 e 2015 as DCOMP com algum valor de estimativa compensada totalizaram créditos de saldos negativos de 18 bilhões médio por ano.
13.2. Propõe-se também a vedação de compensação com alegado direito creditório do sujeito passivo que já esteja sob procedimento de fiscalização para verificar sua liquidez e certeza. Tal proposta visa permitir o envio das declarações de compensação apenas nos casos em que o crédito não esteja sob procedimento fiscal, consoante dispõe o art. 170 do da Lei nº5.172, de 25 de outubro de 1966 –Código Tributário Nacional (CTN), que prevê a possibilidade de extinção do crédito tributário mediante a compensação com créditos líquidos e certo se conforme as garantias que a Lei estipular.
13.2.1. Com essa medida, pretende-se eliminar a possibilidade de extinção de dívidas tributárias por meio de utilização de créditos quando, em análise de risco, forem identificados indícios de improcedência e o documento apresentado pelo contribuinte estiver sob procedimento fiscal para análise e reconhecimento do direito creditório.
13.3. Propõe-se ainda a vedação à compensação com valores de quotas de salário-família e salário-maternidade, pois não possuem natureza jurídica de crédito relativo a tributo administrado pela RFB, mas de benefício previdenciário a ser reembolsado, de forma que poderão ser deduzidas na competência a que se referirem ou ser objeto de pedido de reembolso, não podendo ser objeto de declaração de compensação”.
[14] Vide julgado do STF, ADI 1.917-DF, onde o STF declarou inconstitucional lei do Distrito Federal que estabelecia meio de extinção do crédito tributário diversos daqueles previstos à época pelo CTN
[15] Vide também art. 9º da Resolução CFC nº 750/93